segunda-feira, 11 de março de 2019

Se subisse às montanhas...

Sei que não cresci onde deveria ter crescido. Talvez seja de um tamanho que não cabe em todo o lado. Talvez seja grande demais, ou pequena, ou apenas diferente. O meu coração não me cabe no peito. Talvez seja isso, então! Talvez o meu coração tenha crescido dentro de mim em lugar de ter crescido por fora. Mas somos demasiado um do outro para que possamos crescer sozinhos. Não sei quem depende de quem, ou se somos apenas como um só. 

Esta não é a minha história. Se fosse, eu não estaria aqui, sentada na cadeira de um café qualquer perto de casa. Esta é a história do meu coração, que é como um todo mas pertence-me só a mim. Espero que a ouças e que percebas as minhas palavras, porque não sei traduzir melhor o meu coração, apesar de ele se fazer ouvir tão bem! Se o pudesse fazer de forma diferente, talvez te tocasse com as minhas mãos e deixasse que elas falassem por mim aquilo tudo que eu não consigo. Se o pudesse fazer de forma diferente, talvez te cutucasse para chamar a atenção do teu olhar. Talvez te segurasse na mão de forma alguma parecida com a que outra pessoa tivesse segurado. Sei que era capaz de o fazer, se o pudesse… 

Não cresci sobre as montanhas, portanto é como se me encontrasse sempre longe de ti. Vejo-as cá debaixo, e a ti vejo-te nas nuvens. Talvez seja por isso que me distraio constantemente quando as observo. Não é que elas não sejam bonitas por si só, mas é, principalmente, porque te encontro lá. Não sei se é o meu coração que te imagina e cria ilusões daquilo que gostaria que fosses. Só sei que te vejo todos os dias, sem exceção. Sem haver sequer exceções que façam a regra, porque quem a dita sou só eu. 

Eu sou assim. Teimo em insistir naquilo que me alenta o ritmo do peito. No que me traz memórias que ainda estão por vir, sensações que o meu corpo idealiza, emoções que me passeiam na alma e me fazem ficar agitada enquanto a lua e o sol se encontram pelo céu. De tanto olhar para as montanhas vejo-as com a minha imaginação, talvez obra da vontade do meu coração. Afinal esta história é dele... 

Quando os dias estão límpidos posso ver as montanhas. Mas gosto ainda mais de ver-te entre elas e as nuvens. Não é sinal de mau tempo, antes de tempos amenos. E não preciso nem de muito frio nem de muito calor para me sentir sem dúvidas em relação a ti. Se nos entregam outonos e primaveras, juntos fazemos das estações o nosso inverno e o nosso verão: gelamos o ar com a distância que nos separa e aquecemos o sol quando nos encontramos presos um ao outro, sem razão que nos separe e nos supere. Ou pelo menos eu sonho que sim. O meu coração faz o que quer, sempre foi assim. 

Subiria às montanhas se pudesse. Aprenderia a escalar, ganharia asas para voar, controlaria a gravidade, e encontrar-te-ia nas nuvens. Só que o meu coração não sabe caminhar sozinho. Se fosse por ele eu não estaria aqui, sentada na cadeira de um café qualquer perto de casa. Mas estou, e se não te abraço, sinto que a culpa será minha. Tento, por fim, imaginar… Ah, mas se bastasse…

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Antibes Seen from the Plateau Notre Dame, 1888, Claude Monet.

terça-feira, 18 de setembro de 2018

Castelo de cristal

Desde sempre vivi em contos de fadas, sendo continuamente protagonista de uma história impossível. Não sei se é de mim achar graça a impossibilidades – vendo-me capaz de as manipular, com a certeza de que não as chamaria assim se alguma vez fossem possíveis – ou se me confundo de esperanças que nem sei ser capaz de suportar. Porque sinto ser um peso carrega-las, nem que seja por ter que as deixar um dia.

Eu, que gosto de me rodear de gente, às vezes teimo em querer-me só para mim. Viveria com menos medos, menos anseios, menos expectativas, mas mais só. Às vezes teimo em querer-me só para mim, não por receio de me dar a outros, mas por receio que não se deem a mim. Sempre fui exigente com as minhas próprias histórias, mas tenho sentido coisas a fugirem-me entre os dedos. Vivo com ânsia de querer o que mais ninguém tem: não por egoísmo, nem por exclusividade, mas porque (agora) é a ti que entrego o meu querer. E a querer, seria só para mim... 

Vou pensando em ti, como quem pensa no outono que está a chegar. Sou pessoa de tempos amenos, no entanto, sou de dar tudo ou de dar nada, não gostando de me ficar no limiar da minha vontade. Em contradição ao que sou, vivo primaveras e outonos contigo, porque me deixo sucumbir à razão. Talvez fosse possível termos o nosso inverno se não vivêssemos rodeados do que há. Mas eu, que nem sei a tua vontade, cumpro apenas com aquilo que vou ditando a mim mesma e vou vivendo sozinha os meus desejos. Quem sabe fosse diferente se te dissesse que de noite sonho que vivemos os dois num castelo de cristal, impossível de ser penetrado. Talvez aí me visses só a mim, e eu, com a certeza de sermos apenas um do outro, não tivesse medo de me entregar a ti. 

Tenho-me sentido personagem única das minhas histórias, e não sei ao certo se é por isso que teimo em querer tornar-te personagem principal. Deixo de lado os motivos, porque não deixo de te querer seja qual for a razão. É esse castelo de cristal de que te falei, que vou construindo dia após dia, e destruindo também. Se a minha mente vagueia em pensamentos que nos constrói, encontro a razão e faço o tempo andar para trás. E em vez de o tempo estagnar, somos nós que estagnamos no tempo, impedindo-nos de crescer. Se não me sentisse culpada em sentir o que sinto, talvez a culpa deixasse de ser minha e eu pudesse ser finalmente tua. Mas toda a gente sabe que os castelos de cristal só existem nos contos de fadas. Então, deixo de poder ser tua, já tu, nunca foste meu.

"Milk Way Poetry", Heen Kim.

sexta-feira, 24 de agosto de 2018

O Senhor do prédio em frente

Sei bem como funciona a minha imaginação, principalmente em relação às pessoas. Já dizia alguém que admiro, que gostava de ver as pessoas sendo. Cá entre nós, não sei se é assim que eu sou. Não sei se gosto de ver as pessoas a ser ou se gosto de ver aquilo que quero que elas sejam. Talvez a melhor parte da imaginação seja poder idealizar alguém ou algo, ou talvez essa seja a pior parte. As expectativas são a dor que nunca consegui controlar, e suspeito que seja para sempre assim. Sou feita de expectativas e a minha imaginação remexe o meu coração de formas incontornáveis. Quero tanto controlar tudo e gosto sempre daquilo que não se pode controlar. Como as pessoas que espreitam pelas janelas do prédio em frente… 

Imagino quantas daquelas janelas ocupam uma casa e quem a ocupará. Serão famílias de três ou quatro pessoas, em que as crianças são a destabilização que alegra o lar; ou talvez uma família menos feliz, como tantas outras, em que não há espaço para serem eles próprios. Talvez seja um espaço ocupado por um casal junto há mais de trinta anos, e que nem sempre trazem consigo dias felizes, mas vão estando. Ou alguém só, que apesar de só, vive bem consigo, porque gosta de quem é. E é quando espreitam pela janela daquele prédio, que dou comigo a imaginar as suas vidas ou a idealizar essas pessoas na minha mente. Ser pessoa é demasiado para ser pensado, mas é dos poucos desafios que dou por mim a tentar resolver, como caminho para a minha vida toda. 

Gosto de pensar pessoas. Gosto de pensar em quem vejo uma só vez, mas não costumo pensar uma só vez em quem vejo de vez em quando, quem sabe de forma acidental. Porque talvez seja um acaso, mas acasos podem ser raros. Ou talvez não seja, porque nem tudo é coincidência. Gosto de acreditar que sim. Gosto de acreditar que as pessoas se cruzam por alguma razão qualquer inexplicável, que no nosso âmago faça sentido, mesmo sem sabermos que faz. Gosto daquilo que não faz sentido, mas me faz sentir. E é por isso que gosto de observar as pessoas a espreitarem pelas infinitas janelas do prédio em frente. Ou imaginar e esperar que apareçam alternadamente, janela sim, janela não, quase como num jogo propositado. 

Sabem lá elas como vagueiam na minha mente com tanta precisão e de forma tão assídua, como que a cumprir um tal horário inexistente. Não é calculado da minha parte, apenas acontece. Não tenho mão em mim mesma, mas vou gostando de ser assim. Continuo a olhar para as janelas, de manhã todas fechadas, vão abrindo uma a uma, e tento descobrir se alguma delas pertence àquele senhor que costumo encontrar casualmente na rua. Não sei precisar a quantidade de vezes que o vi, mas há pessoas que teimam em marcar-nos a alma. E eu, que às vezes dou por mim sem ela, encontro-a quando a procuro em outros. Gosta de se desocupar de mim, ou então, talvez seja por dar tanto de mim aos outros, que a faço correr em busca daquilo que me pertence. 

Se aquele senhor, em que penso agora, não espreita pela janela enquanto o tento encontrar, será que passeia pelos corredores de sua casa, entre os espaços vazios de gente, parando para cochilar depois de ler um livro antigo que deixou para trás anos afim e teve a confiança para pegar entretanto? Quem sabe esteja a escolher um dos vários vinis que foi colecionando ao longo dos anos em que vasculhava todas as lojas de discos usados, com sons de outros tempos, que não passam de moda porque nos preenchem a alma. Ou não. Talvez nem seja senhor de ter. Talvez seja senhor do que não há, e por isso mesmo seja. Talvez seja senhor do que traz dentro de si. Ou seja tudo isso. E leve consigo parte da minha alma, pois o meu coração tem palpitado no meu peito, desmedidamente, também ele som de outros tempos, com a certeza de que o amor é mistério que nem com o tempo saberei decifrar.

The Gateway To Amsterdam, Leonid Afremov.

terça-feira, 7 de agosto de 2018

O nosso primeiro beijo

Podia passar um dia inteiro a falar sobre primeiras vezes. O problema das primeiras vezes é que não se repetem. E eu vivo a precisar de repetições constantes do que me sabe bem. O problema das primeiras vezes é que costumam deixar saudade. E eu, que adoro a existência deste aglomerado de sentimentos, entristeço-me com eles. É antagónico gostar do que nos faz sofrer, mas se faz sofrer porque fez bem um dia, não será de questionar esta antítese? 

Recordo-me da primeira vez que te vi quase mesmo sem te ver. Acontece-me tantas vezes, que perdi a conta: olhar as pessoas sem as ver. A minha melhor amiga ri-se de mim e auxilia todo este processo em que eu reparo numa pessoa, fico com vontade de a ver melhor – e por isso mesmo não a vejo de todo – e me diz o que acha. Não o que ela acha, mas sim o que acha daquilo que eu poderei achar. Parece parvo, mas tem tanto de íntimo entre nós, que faz-me rir de todas as vezes que acontece. 

Recordo-me da primeira vez que te falei. Nunca no meu estado normal poderia fazê-lo, porque fujo do que me intimida. E por vezes é o que nos intimida que nos faz feliz. Lembro tão bem aquele momento antes de acontecer, em que questionei todas as pessoas que me rodeavam sobre o que achavam da frase que eu tinha preparado para te abordar. Mas nada posso dizer sobre as minhas expetativas, porque não me recordo delas, apenas da ânsia de te falar. Não sei o quanto pensei naquelas palavras, talvez tenham surgido subitamente, como sinal do destino, para que fizesses parte da minha vida. O problema das primeiras vezes é que sendo sucedidas por outras, começam a desvanecer-se na nossa mente, deixando um vazio surpreendentemente amargo. Queria voltar àquele dia para gravar na minha mente minuciosamente todos os pormenores. Não sei se foi nesse momento que reparei no tom da tua voz – suave, doce, a transbordar de carinho –, se agora é que o recordo assim. Até nos momentos menos bons, em que te irritavas com as minhas exigências, a tua voz era bonita de se ouvir. Para mim era bonita de se ouvir, e estranho que não fosse para os outros, porque para mim eras como uma verdade absoluta e só existia a forma como eu te via. 

Recordo-me da primeira vez em que quase tive a certeza de que estavas curioso em relação a mim. Dei por mim a duvidar daquele momento de tão maravilhoso que o senti. Questionei mil e uma vezes as tuas intenções, porque não acreditei que existiam impossibilidades que fossem possíveis. Como quando me disseste pela primeira vez que estava bonita, enquanto subíamos juntos no mesmo espaço pequeno que era aquele elevador, um caminho quase longínquo demais para o aguentar ao teu lado, sem fraquejar. Ou quando te camuflaste no meu quarto, deitaste-te na minha cama por fazer e aumentaste o som da música que tinha colocado para esperar por ti. E quando caminhaste comigo pela primeira vez naquela noite escura? Não queria que te fosses embora, com receio de que tudo tivesse sido um sonho. E eu que gosto de sonhar temi aquela realidade. Porque tu eras assim para mim: como um sonho bom demais para ser real. 

Recordo-me da primeira flor que me ofereceste. Aliás, recordo todas as flores que me ofereceste. Mas acho que talvez tenha sido nessa primeira vez que teimei para mim mesma que eras de outro mundo, de tão genuinamente irreal te senti. E eu, sentindo em êxtase como se a vida fosse uma hipérbole, controlei os meus impulsos e estremeci de felicidade, gritando para dentro de mim a alegria que incessantemente me davas. Retiraste a flor de trás das costas, segurei-a com força nas minhas mãos, como todas as primeiras vezes que me deste no resto desse dia. 

Recordo-me do tanto que te queria beijar, mas eu nunca fui corajosa em dar primeiros passos. O problema das primeiras vezes é que me dão medo. De tanto te querer beijar, não soube ao certo o que senti quando te despediste de mim na primeira noite em que nos encontrámos. Prendeste o meu rosto nas tuas mãos, tocaste-o com os teus lábios e deixaste-os ficar por instantes. E a mim deixaste-me inquieta a pensar que teríamos o nosso primeiro beijo, mas não. E não seria melhor se o tivéssemos tido naquele momento. Porque o nosso primeiro beijo, depois do nosso primeiro abraço – em que senti realmente que me queria entregar a ti –, e aquelas palavras que não esqueço, pesar-me-ão para sempre no coração. Nunca me sentirei incompleta depois disso. Porque me tiveste, e eu também te tive. 

Não sei se foste o meu primeiro amor. Não sei se se quer se ele já existiu. No entanto, deste-me tantas primeiras vezes que amei-te de todas as vezes que o fizeste. Pela ânsia, pela alegria, pelo prazer, pela dor, pela saudade. Por teres feito parte de mim no momento em que mais precisei de ti. Talvez me tenhas salvado, e nem essa certeza me deste, porque não sei como seria sem ti. Mas obrigada. Talvez não tenhas noção do quanto a minha paixão por ti afugentou o medo, que perdeu a coragem de bater à minha porta. Mas obrigada. Por todas as primeiras vezes que se ocuparam do meu corpo e da minha alma, de mim por inteiro, não deixando espaço para mais nada. A saudade pode ser adversa, mas ainda bem que faz parte de mim.

잘 부탁합니다  /  Please take care of this
Pigment liner and marker on paper, 2009

quarta-feira, 18 de julho de 2018

De livro na mão e flores no vestido

Conhecia-a numa noite singular, mas singular era ela. Não sabia dançar porque achava que não sabia dançar, mas caminhava como se dançasse. Era assim que eu a via enquanto os seus passos a aproximavam de mim. Foi naquela noite – naquela primeira noite –, que soube querer descobrir-lhe o coração, e tudo mais o que houvesse para descobrir. Os sinais que lhe percorriam o corpo, como constelações no céu escuro, pediam que os tocasse, um a um, numa eterna jornada das mais belas que pode existir. E o que a fazia ainda mais bela era a fraqueza de não saber quão bela era, quão imperfeitamente peculiar se tornava com todas as suas cicatrizes. 

Para mim, ela era como uma cicatriz no meu peito – que não curava –, porque me apaixonava todos os dias por cada sinal que encontrava num sítio novo do seu corpo, de cada vez que se deixava relaxar ao lado do meu, e a podia observar calmamente enquanto dormia. E eu adormecia enquanto contava os seus sinais e decorava cada um deles, como se fosse essencial gravar essa imagem na minha mente, para a eternidade. 

Enquanto dormia, sentia-a embalada nos seus sonhos mais puros. Ela não sonhava os sonhos dos outros, antes aqueles que criava para si. Os sonhos dela personificavam a sua imaginação: envolviam flores e amor, folhas de outono a cair das árvores em todas as estações do ano, mares que desaguavam em rios e passarinhos verdes a que chamava alegria. As borboletas no estômago, essas já não habitavam apenas nos seus sonhos, porque falava delas de olhos abertos e postos em mim. 

Era apaixonada por tudo, por cada pequeno detalhe do mundo. Qualquer coisa a fazia feliz de um jeito que a mais ninguém fazia. Era feliz quando alguém terminava as suas frases, adivinhando-a. Ela gostava que a conhecessem, pois isso significava que ficariam com ela para sempre. Porque ela sabia dos seus defeitos, mas mesmo insegura, sabia-se pessoa de não soltar a mão de ninguém. Era apaixonada por tudo e podia ser apaixonada por todos, e eu era feliz porque toda a paixão que ela tinha para dar, dava-a a mim. Ela não pediu que eu a amasse, mas que a fizesse feliz. E eu, sem querer, amei-a de imediato, talvez antes mesmo de me aperceber. 

Podia ser contraditória em todas as alturas. Dormia quieta, sem se mexer, apenas ocupando o canto dela da cama. Contudo, acordava a cantar e atrapalhava o meu sossego a qualquer instante do dia. Perguntei porque cantava todas as manhãs enquanto despertava, e respondeu-me que se cantava, provavelmente, era por estar feliz – dizendo o verbo estar com ousadia. Adorava cantar, mas era tímida e desafinada. Ainda assim, cantava para que eu a pudesse ouvir. Não escondia a sua felicidade, nem as suas fraquezas, tornando-se vulnerável e transparente. E eu gostava que ela fosse assim. 

Mantinha sempre um livro na mesa-de-cabeceira, mesmo que não o estivesse a ler. Porque gostava de manter perto tudo aquilo que lhe fazia bem. Era feita de hábitos e pequenas particularidades. Vestia preto e batom castanho, mas também vestia flores e pintava os lábios de vermelho. Gostava de tanta coisa, mesmo que diferentes, mas só assim podia ser ela própria, pois tinha um mundo dentro de si. E eu gostava dela de todas as maneiras. 

Não deixava que a pegasse ao colo, esperneando feita louca, dizendo que pesava demais. No fundo, era cheia de receios e complexos, mas eu sabia que estava com ela para os derrubar, por isso, esforçava-me para debater contra a sua loucura e mantinha-a nos meus braços, contra o peito, gostando de a sentir. Era quente, doce, e quando se sentia fria, sabia que ansiava pelo meu toque. Era tão minha como eu era dela, e fomos sendo um do outro enquanto nos pertencíamos. 

Nunca deixei de a amar, mas a paixão dentro dela era tanta que acreditei que outros a deviam conhecer como eu conheci. Ela nunca foi minha, porque era boa demais para a guardar apenas para mim. Um dia alguém será egoísta o suficiente para a tornar para sempre sua, e será feliz com ela. Verá o seu rosto todas as manhãs, que em nenhuma ocasião escondia o seu sorriso; ouvirá as suas canções de quem canta por ser feliz; aquecerá os seus dedos durante passeios ao luar, porque gosta de sair no frio da noite como desculpa para ser tocada por quem ama; borratará todas as cores dos seus batons, que a cada dia será diferente; tirará todos os seus vestidos de flores no escuro do quarto, em que as luzes serão propositadamente apagadas; e saberá o nome de todos os livros que irão passar nas suas mãos, porque gosta de falar de si: é assim que ela é. 

Quando esse dia chegar, talvez me arrependa de não ser eu, mas fico feliz por saber que alguém como ela existiu na minha vida e faz parte do mundo. Se toda a gente fosse metade do que ela é, o mundo seria como uma música que nunca cansa ouvir. E eu gosto tanto de música…
"don't just listen, feel it", Henn Kim.